segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Carta perdida

"Escuteiro
22 de Fevereiro de 2014 às 16:48

Sorrio por dentro, com aquele sorriso a transbordar de pena alheia, cada vez que percebo que os escuteiros estão a cair no esquecimento.

Cada vez menos se ouve falar dos pequenos que andam por aí de meias até ao joelho, com uns penduricalhos coloridos atarraxados. Usam uma camisa enfeitada com remendos e um chapéu à ranger canadiano. São aqueles miúdos que entram no mato a altas da madrugada, em vez de numa discoteca, à procura de coisa nenhuma num marco geodésico qualquer. Fecham-se numa sala durante horas para falar de assuntos pouco ortodoxos: fé, futuro, valores. Fazem nós dos sapatos em barrotes de madeira, que originam mesas instáveis e bancos ainda menos seguros. Comem pó, comida com pó, dormem no pó e tomam banho em riachos, para tirar o pó que vão ganhar de novo ao voltar para a tenda. Aliviam-se no campo, premeditadamente em buracos por eles cavados. Cantam muito e tocam muito. Rezam. Reflectem muito. Meditam muito. Vivem muito.

Eu sou um deles.

E rio-me porque, se o escutismo está cada vez menos na moda, é porque as coisas estão a ser bem feitas. Significa que preferimos estar a olhar para o céu de Agosto e contar constelações, em vez de capturar o momento para o Instagram. Quer dizer que preferimos ficar horas a discutir o nosso futuro, que a imaginar frases profundas para o Twitter. Quer dizer que preferimos fazer kilometros, na amena cavaqueira, em vez de escrevermos o equivalente à grande muralha da China em SMS’s. Quer dizer que preferimos conhecer perfeitos desconhecidos, com sotaques, cores, receitas e modos diferentes dos nossos, em vez de no enfiarmos na salada virtual.

Se as árvores tweetassem, se as pinhas fossem routers e distribuíssem wifi, se as tendas tivessem tomadas, se a fogueira gravasse a novela, talvez não estivessemos tão esquecidos. Esquecidos talvez não seja a palavra mais correcta. Passamos um pouco ao lado do mundo e as únicas marcas que deixamos são as positivas, que não fazem primeiras páginas.

Talvez não saibas o que quer dizer marco geodésico, lais de guia ou colchonete. Talvez não saibas fazer um nó direito. Talvez não saibas o que é ter fé. Fé em tudo, na bondade das pessoas, no mundo na consciência ambiental e social.

Ser escuteiro não to ensina, mas é um óptimo sítio para começares.

Feliz dia de Baden-Powell, fundador do Escutismo.

Canhotas,

Chita Cientista

Agrup. 1172 S.Luís Faro

Por Miguel Ponte
in “É a puta da vida, Sr. Saraiva”



Não pude deixar de partilhar este texto tão sábio, que reflete tudo aquilo que somos.

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